“Estou muito preocupado porque ele falou muito em Deus.” Foi o que disse um conhecido comentarista político na TV, depois de ouvir o discurso da vitória do Presidente Jair Bolsonaro, na noite de 28 de outubro de 2018, quando as urnas lhe deram vitória por margem de 55 a 45 sobre o candidato marxista, Fernando Haddad.

Falar de Deus parece que preocupa as pessoas. Isso é triste. Mas o povo brasileiro não se incomoda. O governo Bolsonaro, ao qual sirvo como Ministro das Relações Exteriores, não liga para o que dizem os comentaristas ou para o que os incomoda: eles não entendem nada de quem Deus é, ou de quem o povo brasileiro é e quer ser. A preocupação deles é a de uma elite que está prestes a ser destituída. Eles têm medo porque não controlam mais o debate público, já não podem mais ditar os limites do que diz o Presidente ou quem quer que seja. A última barreira foi rompida: nós agora podemos falar de Deus em público. Quem poderia imaginar uma coisa dessas?

Ao longo dos últimos anos, o Brasil se havia transformado em um atoleiro de corrupção e desesperança. O fato de que o povo não falava em Deus e não trazia a sua fé à praça pública era certamente parte do problema. Agora que o Presidente fala em Deus e expressa a sua fé de maneira profunda e sincera, é este o problema? Ao contrário: estou convencido de que a fé do Presidente Bolsonaro é instrumental e não acidental para sua vitória eleitoral e para a onda de mudança que está varrendo o Brasil.

O Brasil passa por um renascimento político e espiritual, e o aspecto espiritual desse fenômeno é determinante; o aspecto político é apenas uma conseqüência.

Durante um terço de século, o Brasil foi submetido a um sistema político composto de três partidos que agiam crescentemente em concerto. Somente agora se começa a perceber a forma e a extensão completa daquela dominação. Primeiro tivemos o Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que chegou ao poder depois que o regime estabelecido em 1964 (equivocadamente chamado de regime militar) pacificamente deixou o poder em 1985. Originalmente uma oposição de esquerda moderada ao regime (embora com infiltração da extrema esquerda), o PMDB tomou as rédeas do governo, escreveu uma nova Constituição e tornou-se uma frente ampla para a velha oligarquia sob uma feição mais moderna e urbana, com preocupações sociais. Esse grupo veio a dominar a arte do favor político e da burocracia, estabelecendo-se como sustentação do sistema. A amplitude com que a burocracia é capaz de alocar recursos na economia brasileira—escolhendo vencedores e perdedores—sempre foi impressionante e, durante esse período, tornou-se um sistema de governança de pleno direito que sufocava completamente a economia.

Os anos 1990 assistiram à ascendência do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), uma ramificação do PMDB com raízes na esquerda, mas mais bem arrumada, voltada aos eleitores ansiosos por estabilidade econômica depois de uma década e meia de má administração e hiperinflação. O PSDB remodelou-se como o partido do livre mercado, ocultando parcialmente seu verdadeiro caráter e sua agenda cultural esquerdista, e, apoiado em sólidas políticas macroeconômicas, tornou-se a força dominante entre 1994 e 2002, mantendo sempre os vínculos com as tradicionais facções político-burocráticas representadas pelo PMDB.

O terceiro ramo desse sistema emergiu no início dos anos 2000, com a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT)—um nome orwelliano, diga-se de passagem, pois trabalhadores raramente são vistos nesse partido comandado por intelectuais marxistas, ex-guerrilheiros de esquerda e membros da burocracia sindical. Depois da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (conhecido universalmente como Lula) em 2002, o PT—que durante anos se preparara para isso—rapidamente capturou e cooptou o esquema de poder PMDB-PSDB, mantendo o antigo sistema do “toma-lá-dá-cá,” gerenciado pelo PMDB, e as políticas de estabilidade, representadas pelo PSDB, aferrando-se muito mais firmemente ao poder que seus antecessores. O PMDB tornou-se sócio minoritário na coalizão do PT, enquanto o PSDB assumiu o papel de oposição dócil, participando das eleições presidenciais a cada quatro anos, com a tarefa de perder altivamente para o PT.

O PT assumiu o controle de todas as alavancas do poder burocrático, dominando a economia por meio de estatais e de bancos públicos de investimento, e criou um mecanismo completo de crime e corrupção. Praticamente todos os negócios, todos os políticos locais, todas as instituições culturais, esportivas e educacionais, quase todos, enfim, no Brasil tinham sua sobrevivência condicionada pelo governo central à oferta de propinas, apoio político ou ambos. O modelo foi tão bem-sucedido que o PT começou a exportá-lo a outros países latino-americanos, tentando criar e consolidar uma rede de regimes corruptos de esquerda na região.

Ao mesmo tempo, a agenda de esquerda tomou a sociedade brasileira. A promoção da ideologia de gênero; o avivamento artificial de tensões raciais; a substituição dos pais pelo governo como provedor de “valores” para as crianças; a infiltração na mídia; o deslocamento do “centro” do debate para muito longe no campo da esquerda; a humilhação dos cristãos e a tomada da Igreja Católica pela ideologia marxista (e a conseqüente promoção do controle de natalidade); e assim por diante—esses foram os resultados das políticas do novo governo.

A dominação foi assim estabelecida sobre as instituições políticas, sobre a economia e sobre a cultura: um empreendimento plenamente totalitário. Esse empreendimento parecia indestrutível. O sistema aceitava debate apenas sobre como ser mais bem implementado. Havia algum debate sobre privatização, mas que nunca alcançava o núcleo do mecanismo da corrupção. (A supostamente grande onda de privatizações nos anos 1990, liderada pelo PSDB, deixou o Brasil com 418 estatais—nos EUA, são catorze—e uma economia totalmente dependente de financiamento governamental para quaisquer projetos de porte; o PSDB, porém, diligentemente cumpriu o papel de partido “neoliberal” que lhe foi designado pelo PT.)

Na política externa, o sistema entoou a ária globalista sem perder uma nota. Ajudou a transferir poder dos EUA e da aliança ocidental para a China; favoreceu o Irã; trabalhou incessantemente para levantar uma nova cortina de ferro socialista sobre a América Latina, favorecendo governos ou partidos de esquerda na Argentina, Venezuela, Equador, Bolívia, Chile, Colômbia, Peru, Paraguai, Uruguai, República Dominicana, Nicarágua, Honduras e, é claro, em Cuba. Tudo isso foi visto com bons olhos por Barack Obama, que raramente levantava um dedo para combater regime socialistas ou islâmicos em qualquer canto da Terra e que descrevia Lula como “o cara.” Sim, Lula era o cara do globalismo, um cara que desperdiçou todos os recursos que assomaram ao Brasil durante o boom das commodities—centenas de bilhões de dólares—para ajudar ditaduras e enriquecer seu partido e a si próprio. O Brasil era, de fato, uma vitrine magnífica para o globalismo. Iniciando com um tradicional capitalismo de compadrio, oligárquico, no final dos anos 1980, o país passou por um falso liberalismo econômico nos anos 1990, até alcançar o globalismo sob o PT: o marxismo cultural governava por dentro um sistema aparentemente liberal e democrático, construído por meio de corrupção, intimidação e controle de pensamento.

Trata-se de um sistema tão entranhado que jamais se reformaria por si, apenas encontraria novas máscaras para estender seu domínio—isso foi o que diversas lideranças políticas não petistas tentaram fazer a cada quatro anos nas eleições. Mudanças reais poderiam vir apenas a partir de fora desse sistema, dos domínios intelectual e espiritual.
 

E então, o que quebrou o sistema? Olavo de Carvalho, a Operação Lava Jato e Jair Bolsonaro. Desde meados da década de 1990, paralelamente à ascensão de um regime ateísta corrupto (na época, ainda em formação), novas idéias estranhas começaram a circular nos livros e artigos de Olavo de Carvalho, um filósofo brasileiro, talvez a primeira pessoa no mundo a ver o globalismo como o resultado da globalização econômica, a entender seus propósitos impiedosos e a começar a pensar em como derrubá-lo. Por muitos anos, ele também foi a única pessoa no Brasil a usar a palavra “comunismo” para descrever a estratégia do PT e tudo o que estava acontecendo no país, em um tempo em que todos pensavam que o comunismo era apenas uma espécie de coletivismo que havia morrido com a União Soviética, cegos à sua sobrevivência em muitas outras formas, na cultura e nas “questões globais.” Graças ao boom da internet, e especialmente à revolução da mídia social, as idéias de Olavo repentinamente começaram a percorrer todo o país, atingindo milhares de pessoas que tinham sido alimentadas apenas com os mantras oficiais. Essas idéias romperam todas as represas e convergiram com a postura corajosa do único político brasileiro verdadeiramente nacionalista dos últimos cem anos, Jair Bolsonaro, dando-lhe um apoio popular totalmente inédito. O Brasil subitamente se redefiniu como um país conservador, antiglobalista e nacionalista. Ao mesmo tempo, a Operação Lava Jato, a investigação do esquema de corrupção do PT—talvez o maior empreendimento criminoso de todos os tempos—evoluiu e começou a lançar luz sobre as profundezas da tentativa petista de destruir o país e assumir o poder absoluto, desmoralizando toda a quadrilha e mandando seu líder para a cadeia.

Com um aceno de mão, a nação descartou décadas de doutrinação política e do politicamente correto e finalmente elegeu um líder que lidera e sabe para onde quer ir.

Mas a história, é claro, é muito mais complicada. Tudo conspirou contra esse renascimento nacional. Isso não deveria acontecer. Mas a cada passo, especialmente desde os grandes protestos anti-tudo de 2013, eventos sociais, políticos e econômicos começaram a se encaixar misteriosamente. Denúncias, rupturas e alianças políticas, revelações de nova corrupção em lugares insuspeitos e milhares de outras peças foram de alguma forma reunidas. Elas entregaram ao país sua recém-adquirida liberdade—com toda a responsabilidade que isso envolve—na forma da vitória de Bolsonaro. Foi a divina providência que guiou o Brasil por todas essas etapas, reunindo as idéias de Olavo de Carvalho com a determinação e o patriotismo de Bolsonaro? Eu acho que sim.

Meus detratores me chamaram de louco por acreditar em Deus e por acreditar que Deus age na história—mas eu não me importo. Deus está de volta, e a nação está de volta: uma nação com Deus; Deus através da nação. No Brasil (pelo menos), o nacionalismo tornou-se o veículo da fé, a fé tornou-se a catalisadora do nacionalismo, e ambos desencadearam uma estimulante onda de liberdade e de novas possibilidades. Nós, brasileiros, estamos experimentando uma enorme ampliação da vida política—dentro da Constituição e fora do sistema estreito, materialista e estupidificante que nos dominou por muito tempo e ainda é tão poderoso em todo o mundo. Temos agora a escolha de sermos grandes, prósperos, poderosos e seguros, com liberdade de pensamento, de expressão, de empreendimento. Temos a opção de viver democraticamente—pela vontade do povo e não de acordo com uma coleção de frases vazias. Vivemos por muito tempo em um mundo nominalista, onde apenas aquelas palavras vazias existiam; vivemos por muito tempo frustrados pelo discurso globalista de esquerda. Agora podemos viver em um mundo onde os criminosos podem ser presos, onde pessoas de todos os estratos sociais podem ter as oportunidades que merecem e onde podemos nos orgulhar de nossos símbolos e praticar nossa fé. O sistema de controle psicológico está acabado, e isso não é nada menos que um milagre.

Tornou-se célebre a frase do porta-voz de Tony Blair, Alastair Campbell, sobre a Grã-Bretanha: “Nós não falamos de Deus” (“We don’t do God”). Bem, no Brasil, agora falamos.

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This article originally appeared in The New Criterion, Volume 37 Number 5, on page 37
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